A PERSONAL GUIDE TO CINEMA

!!!!!


unt.

a tristeza
dos seus lábios
a textura
das suas costas
a glória
dos seus pés

o tormento no vácuo entre nós

sangue
vazando da cabeça para as mãos
suor
como se derretesse o próprio corpo detestável
sexo
condenado atrás dos olhos

a morte de um devaneio

nudez em plano-sequência
paixão em cortes secos
ilusão em câmera lenta
sentimentalismo em cicatrizes

uma pessoa dentro de você

uma impossibilidade.

unt.

o vento lúgubre
anuncia o inverno
companheiro parasita
dos mendigos, dos donos de hotéis
e dos transeuntes solitários
das avenidas durante a madrugada

isolamento
tormento
acalento

a taxa de 35,5% de álcool
preenche os tubos sujos
que agonizam por
alguma noção de estabilidade
e o mínimo de emoção

a brisa impiedosa
faz os perdidos cederem
diante da luxúria
de vampiros educados

(o sangue não esquenta e não significa mais nada).

unt.

A carne flácida
A pele podre
As cartilagens tortas

Os ossos enferrujados
Os pelos disformes
Os sistemas grosseiros

O coração trancado
O fígado iludido
O cérebro imbecil

O ódio ao próprio corpo
Em uma tentativa infame
De sentir
Qualquer coisa. 

unt.

Eu te encontrei
Enquanto procurava munição
Em um vão entre as pernas
Numa sala isolada

Coisa rara:
Dupla coincidência
Agradável em ambas as vias
Desconfiança triplicada

Um sinal na sua mão:
Era uma possibilidade
Mas
Sempre tem o mas

A pressão veio certeira
Psicológica, psicóloga
E no fim
"Nós" morremos
Esparramados numa praia deserta.


unt.

Eu fiquei observando as suas costas
E nas texturas indesejadas 
Vi um reflexo 
de alguém novo 

Ideias convergentes 
Sobre (nus,) tabus 
E melancolias 

Mente sã em 
Transe controlado 
Corpo feio em 
Ângulo favorável 

Tentando disfarçar 
Que vermelho era 
Minha cor favorita 

Mas diálogos distantes 
Tendem a gerar 
Pessoas distantes 

E observando as suas costas 
Reparei que algumas coisas 
Nunca vão mudar.

unt.

Enquanto sonhos morrem: 
respirando por tubos 
entrecortados por linhas rasas 
divididos entre móveis gastos 
por falta de tesão 
e excesso de referências 

Os atritos diários, 
Insanos 
Idealizados 
E idiotas 
Sobrevivem 
Por dentro dos olhos 

O silêncio ao redor 
A violência interna 
O caos guiado, 
Sonhos agressivos 

Morrendo 
junto com um corpo 
Putrefato há anos 
Pelo suicídio 
De uma ideia

FILMINHOS ASSISTIDOS EM 2016 - PARTE 1: 1-25

São uns resumos de opiniões pequenos, feitos exclusivamente para me incentivar a continuar escrevendo e não enferrujar. Só isso, e vai se foder.

1) Vá e Veja (1985): Estava devendo uma revisão desse filme há um ano já, e felizmente continua uma obra-prima - atrevo a dizer: não só é O filme sobre a segunda guerra mundial, como é também o filme definitivo de guerra no geral. Nessa segunda assistida, impressionaram especialmente o uso do som (um dos
grandes diferenciais aqui, e que só colabora para a atmosfera pesada que toma 80% do filme - horror superior à maioria das produções rotuladas como terror) e o final.

2) Valerie and Her Week of Wonders (1970): Meio que um "conto de fadas original" - aquelas histórias meio pesadas pra alertar os pimpolhos das coisas que depois foram amaciando -, recheado de simbolismos curiosos. Bom filme, é do tipo que tende a melhorar com revisões.

3) Gaslight (1944): Impressiona que o filme não tenha uma única cena de agressões físicas contra a mulher - especialmente para a época que foi lançado, onde era MUITO comum -, mas que ainda seja absurdamente violento - não à toa, "gaslighting" se tornou um termo que se refere à violência psicológica. Algumas partes talvez não fossem imprescindíveis, especialmente considerando que o "plot twist" (em aspas mesmo) é óbvio desde o começo do longa, além do maniqueísmo em colocar o único personagem dos EUA como o herói da história. Mas é um bom filme, de todo modo.

4) Senna (2010): Um documentário bastante digno, aponta tanto o lado celebrado do piloto (estrategista, determinado, filantropo) quanto sua parte nem tão elogiável (não aceitava derrotas, trapaceiro, ego enorme). A opção em só deixar imagens de arquivo de Ayrton rolando o filme todo foi um acerto, uma pena que a trilha sonora caia em alguns pieguismos...

5) Morte de um Ciclista (1955): Alguns curtos momentos de destaque na fotografia, também é possível apontar algumas reflexões que o longa suscita como ponto positivo. No entanto, o enredo é desenvolvido de maneira muito parca, e o final (embora "justo") pouco ajuda.

6) O Regresso (2016): Esse tive de assistir duas vezes para elaborar uma resenha ~séria~. Na primeira, achei um bom filme, com fotografia bonita e enredo sem muitas novidades. Na segunda, penei pra ver inteiro: seja brincando de Tarkovsky ou Malick, o longa se arrasta demais em prol de um nature porn repetitivo e takes oníricos que pouco adicionam no produto final. Todavia, a boa atuação de DiCaprio e algumas cenas marcantes ainda deixam o filme na média.

7) The Dreamers (2003): Com exceção de algumas cenas de sexo até que sinceras, o filme inteiro é um festival de estereótipos, frases de efeito caretaças e atuações constrangedoras - o "destaque" é Michael Pitt, um espetáculo de risos à parte com suas expressões superficiais. Se a intenção tivesse sido criar uma grande comédia involuntária, então merece nota máxima, sem dúvidas!

8) Harlan County, USA (1976): Documentário pouco conclusivo, mas a trilha sonora - composta apenas por canções folk populares, cantadas pelos mineradores protagonistas - é estupenda.

9) Scarface (1983): Vi esse filme pela primeira vez no começo de 2014, e apesar de Al Pacino ter sido fundamental para meu apreço por cinema aumentar, não achei grande coisa. Revisitei o longa para um trabalho da faculdade, e gostei menos ainda: incomodou mais ainda a atuação apática de Pacino, além do desenvolvimento fraco do enredo. A ótima cena final permanece clássica, porém.

10) Decasia (2002): Simbolismo, queda, destruição, regeneração, imagens, história, interpretação. Fantástico, nota máxima sem pudor algum.

11) Os Dez Mandamentos (2016): Fui como acompanhante da minha madrinha idosa, devo dizer. Sem muitas novidades: atuações exageradas, alguns efeitos bem feitos (curioso notar que coisas mais simples parecem não ter recebido tanto cuidado, e as partes em slo-mo são risíveis) e vários momentos hilários. No fim, o filme é basicamente a novela suprimida em uma hora e pouco e só serviu pra Universal se manter na mídia mais um pouco.

12) The Peanuts Movie (2015): Animação divertida e madura o suficiente, confesso que conheço quase nada da história do Charlie Brown (não o que tinha o POETA CHORÃO) mas simpatizei. Como passatempo é uma boa pedida.

13) Shura (1971): A primeira metade pode não dar a impressão de algo extraordinário, mas a segunda é simplesmente inacreditável - mais uma prova que reduzir a escola japonesa dos anos 60 à mera cópia da nouvelle vague é covardia. Não cheguei a pesquisar, mas é muito provável que Tarantino tenha bebido desta fonte aqui; mas jamais chegou perto de realizar uma obra desse porte.

14) Cuadecuc, Vampir (1972): Um filme de vampiros sobre... fazer um filme de vampiros, espanhol e com o Christopher Lee de protagonista. Perde a força em alguns momentos, mas nada que tire os méritos do longa - que inclusive é mais interessante que qualquer porcaria considerada clássica com vampiros. A trilha sonora merece menção especial: lá pelo fim, a brincadeira com recortes sonoros soa glitch - e isso em 72!

15) High School (1968): O típico documentário sobre ensino médio, com suas indagações sobre o presente (e essas notas?) e futuro (o que vai fazer da vida?) e os personagens de sempre: o valentão, o professor tirano, a professora pra frentex, o nerd, os pais neuróticos, etc. Chega a ser deprimente reparar que, mesmo com o passar dos anos e o diferente contexto social, muita coisa permanece idêntica.

16) Pastoral: To Die in the Country (1976): Visualmente é muito bonito, o uso das cores é o destaque mais que óbvio. A verve simbolista (bem como a qualidade de imagens) me remeteu à coisas produzidas nessa mesma época pelo cinema hungrio/romeno/naquela região (o próprio #2 da lista é um exemplo), mas confesso que a premissa me pareceu muito melhor que a execução em si.

17) Safe (1995): A premissa do filme permanece atual mesmo duas décadas depois, e vários pontos geram discussões ainda relevantes. Uma pena que o ritmo lento trave bastante o longa...

18) Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre A Existência (2014): Suecos tem um senso de humor estranho - ao menos, disseram que isso aí era uma comédia. Sofrível.

19) Hot Girls Wanted (2015): O documentário toca em problemáticas graves do (sub)mundo da pornografia, mas acaba ficando romantizado com o final feliz e pouco aprofundado no que se inicialmente se propôs. Vasculhando no Google dá pra achar umas matérias escritas dez vezes mais informativas que o filme.

20) Diabolique (1955): Inegável que o desfecho surpreende, deve ser o responsável por 70% da reputação do filme. Ainda tenho lá umas críticas sobre o enredo, mas fiquei tão confuso que acabei nem avaliando a parada pra não ser injusto.

21) April Story (1998): Piegas (a sentença final simplesmente não precisava ser dita), é verdade. Simples, tangível e singelo também - espanta que esse filme não seja um sucesso no Tumblr...

22) Short Cuts (1993): Três horas de filme, personagens casuais e excêntricos - Tim Robbins, que faria "Shawshank Redemption" no ano seguinte, se destaca dando vida a um dos caras mais canalhas que já vi em filmes - e interligados de maneiras muito bem pensadas. Comparações com "Magnólia" só fazem sentido por ambos serem longos, terem núcleos independentes (e interligados /spoiler) e Julianne Moore marcar presença nos dois, pois Short Cuts é muito superior. Uma pena que o personagem do Tom Waits - logo ele, um grande artista - ser meio raso...

23) World of Tomorrow (2015): Don Hertzfeldt, em quinze minutos e com uma animação com bonecos palito, faz o que Christopher Nolan não conseguiu com o superproduzido, maçante e forçado "Interstellar": uma obra realmente complexa, atual e de alto teor filosófico envolvendo o espaço sideral e um futuro não tão cristalino para a humanidade. Sequer consegui avaliar o curta.

24) Azul É A Cor Mais Quente (2013): Desnecessariamente longo - a primeira hora inteira é um grande marasmo, além dos incontáveis takes desnecessários da moça babando -, em especial nas cenas de sexo comprovadamente forçadas além da conta. Talvez funcione na HQ, mas os detalhes em azul parecem mais um cacoete que qualquer outra coisa. Negar que o enredo apresenta sensibilidade é estúpido, mas ainda é pouco demais pra três horas de longa.

25) Tabu (2012): Fotografia com excelentes texturas, primeira parte impecável e com uma sutileza invejável. A segunda parte é bacana, mas confesso que não me animou tanto. Dos grandes filmes da década até agora, mesmo assim.

na pia suja do banheiro
três mosquitos morreram afogados
duas pequenas aranhas foram intoxicadas
restos vão se acumulando

não há sinal de sangue
nem partículas de sal
embora a crosta marrom
obviamente não tenha gosto doce

com a ponta do indicador
escrevo três nomes nas laterais
e no centro
risco com uma navalha
a figura de um anjo destroçado qualquer

água quente sai da torneira
e os escritos (todos eles iniciados em a)
apontam os dois únicos caminhos:
o ralo
ou o espelho

(mas agora já foram todos embora.
expulsos,
ameaçados
ou assustados
pelo espectro de uma garrafa
transparente)

É um corpo horrível
E as palavras não fazem sentido
Sequer rimam

Olhos que desviam
Pés que não esquentam
Mãos por demais fora de controle
Dedos tortos


Disfarces com risadas
Ou linhas cômicas pré ensaiadas
Porque o fracasso é eminente
Mas a teimosia insiste

Um retrato amaldiçoado
Por uns pares de dentes à mostra
Levados a sério demais
"Você não precisa de ajuda"

Confabulando surtos
Ao som dos caminhões matutinos
O espírito de vira-lata com raiva
Só adormece com pesadelos:

Pele fúnebre entre os dentes
Ideias de sacrifícios humanos
Ferroadas em mulheres quietas
Acabar como o Daniel,
Das camisetas descoladas de 92

Qualquer visão dolorosa
Afasta o nervosismo
E todos ao redor

Nunca tem volta
Sempre a mesma coisa.

unt.

dois dedos pontiagudos
se fincaram nos meus olhos
enquanto tentativa organizar
a agenda, as contas a quitar
e os novos caminhos menos violentos

eu, que já começava a perder as sobrancelhas novamente
fiquei baqueado no escuro
tentando controlar os vícios
tentando enganar o estômago
(andando com os pés gelados
na linha que divide
compartilhar cascalhos
e depositar granito
nas costas das pessoas
---------------------------
todos saímos rasgados
e nenhum de nós sabe rezar o terço)
o sono se torna utópico
o sonho se torna real
músculos mastigando ossos
demônios em forma de cães
feitos de muco
(latidos com sons de alarme e crianças quadrúpedes implorando piedade)
sinto ela se aproximar
colocar o indicador na minha testa
sorrir como se houvesse algo de proveitoso naquilo
“não fale muito
não espere nada”
desaparece
como os ventos que dançam
mas que deixam a barriga fria
o cheiro fica
sufoca
enforca
minhas costas doem
as asas talvez nasçam
mas só vão servir pra defesa pessoal
o gosto de queimado na boca.

unt.

quando finalmente me vi livre
dos rótulos de garrafas
e caixinhas com 3 volumes de farmácia
reparei
que o coração batia mais forte
por trás das pálpebras

sangue
começa
a
subir
pela
garganta

duas tossidas bastam
pra tingir meus antebraços

estranhamente
o cheiro da minha epiderme
parece ter ficado mais forte
meu nariz também começa a sangrar

as veias oculares começam a sumir
surge a visão do paraíso
um gramado repleto de gatos
dormindo sob o orvalho

sem mais espectros,
sem mais regurgitar,
cem mais ideias -

nem todas com verbos de ação

o sorriso dela
morde meu pescoço
até arrancar a traqueia

tudo o que nos separava
era uma parede de vidro fosco
e a saliva incrustada na minha língua.







unt.

ela me encara do assoalho
há trinta centímetros da minha cama
o pânico não me deixa dormir
mas não posso matá-la
por questões de evolução moral
(tentativa de)

em uma análise distraída
reparo que se impregnou nos meus lábios
o gosto de uma bochecha familiar
as mãos começam a tremer

(o problema em encarar crises com naturalidade
é convencer terceiros de que elas são naturais)

custo a me fazer acreditar
que não estou repetindo
um ciclo de merda
mordo um dedo aleatório

"inspira o ar, fundo,
e não expire na cara de ninguém"

busco meia dúzia de palavras
para tentar escrever um comunicado rápido
mas o receio pelo olhar alheio
esfarela o grafite do lápis cotoco

sangue se espalha por entre os dentes
o frio faz os caninos se chocarem
trava os molares
a gengiva seca

(o dilema em crises repentinas
é acharem que as causas são repentinas)

espio o chão novamente
e os oito olhos avançaram
ofereço o meu pulso

sem dó, ela me diz oi
e em cinco segundos
vejo cinco mil sorrisos
catatônicos
demoníacos
receptivos
aquele um,
que dói na consciência

mas agora eu ao menos
consigo dormir umas duas horas
mesmo sabendo que o carteiro vem.



unt

peguei o atalho por entre os seus cabelos
porque as paredes aqui são frias
e andam caladas demais
a cama vive desarrumada

falta de foco
e déficit de aetnção
mas o teto da sala
não parece mais o mesmo

chegaram vizinhos essa semana
e a única ideia realista
é a de que nunca vamos nos falar

enquanto isso, do outro lado
do grande ponto da cidade

meus
abrigos
revelam
suas presas
cor de açúcar
com cheiro de remédio vencido

pego uma garrafa vazia
e quebro com força na rua
um pássaro pequeno grita

o corpo cabia na palma da minha mão
e não deixaria espaços para gaguejos
flores, coisas afiadas e outros pieguismos
que volto a repetir
talvez seja só convenção
queria que fosse doença

 (pela primeira vez,
talvez seja uma questão de esquecer
e não de perdoar)

esbarro nela
a caminho de algum nada
com horário marcado

"há quanto tempo!"

meu maior medo
era que ela me confundisse
com um caçador
mas ela é tão míope
quanto eu.



unt

eu vi sua boca
e só desejei poder ficar calado
porque o dicionário não pôde explicar
a diferença entre devaneio e idiotice

(ninguém foi capaz)

fui embora com um sorriso torto
e dois guardanapos com escritos
guardados no bolso de trás

remexi lá e encontrei
uma figura de uma santa doente
cujo verso continha um número de telefone
claramente anotado às pressas

(precisava ter ligado em duas ocasiões, mas não consegui)

vasculhei no bolso da blusa
procurando desesperadamente pelo atestado médico
que enfim dava razão
aos meu hipótalamo
e aos desvios da minha miopia

tudo que achei
foi uma fotografia
dessas, instantâneas, 
tiradas em cabines de festas pomposas

estava queimada pela metade
e minha mão começou a arder

(desintegrou na linha do meu pulso)

 as crianças viam uma barata se afogar numa poça na calçada
e entre a troca do verde pro vermelho
pisquei,
acreditei ter visto estrelas florescendo.